Dando seguimento à série by @doris_coutinho

Dando seguimento à série de tweets sobre as legislações de whistleblowing pelo mundo, hoje abordaremos a (tardia e assistemática) disciplina jurídica deste instituto no ??.

Antes, contudo, analiso os compromissos internacionais internalizados e que assumiram caráter legal.


Em 2002, promulgou-se no Brasil, através do Decreto nº 4.410/02, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, celebrada em 1996. No item 8 do seu artigo III, a convenção, ao tratar de medidas preventivas de enfrentamento à corrupção, insta os Estados-partes a instalar (…)


sistemas para proteção de funcionários e cidadãos particulares que denunciem de boa-fé atos de corrupção, inclusive a proteção de sua identidade, sem prejuízo da Constituição do Estado e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico interno.


Em 2006, foi a vez da Convenção de Mérida (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção), firmada em 2003, entrar em vigor no país, mediante a publicação do Decreto nº 5.687/06. No 33, a Convenção enuncia que cada Estado considerará a possibilidade de (…)


(…): “incorporar em seu ordenamento interno medidas para proporcionar proteção contra todo trato injusto às pessoas que denunciem ante as autoridades competentes, de boa-fé e com motivos razoáveis, quaisquer feitos relacionados com os delitos de acordo com a Convenção”.


Importa registrar que tais previsões não consubstanciam meras recomendações ou conselhos internacionais, eis que, ao serem incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, passaram a gozar de status normativo, convolando-se em imposições de caráter legal ao governo brasileiro.


Há quem defenda, inclusive, que, em razão do reconhecimento pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, através da Res. 01/2018, do caráter violador de direitos humanos da corrupção, que tais convenções teriam caráter constitucional, nos termos do §3º do art. 5º.


Uma compreensão mais verticalizada sobre essa relação (corrupção e direitos humanos) pode ser obtida neste artigo do professor @VladimirAras (que, até onde sei, não se alinha à corrente acima mencionada).

https://vladimiraras.blog/2018/11/22/corrupcao-e-direitos-humanos-no-sistema-interamericano/


Além dessas convenções, o Brasil é um dos 8 países cofundadores da Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership), que, dentre as diretrizes relacionadas à integridade, exorta os países signatários a “viabilizar e implementar regras de proteção aos whistleblowers”.


Não obstante o tratamento jurídico específico dos reportantes no Brasil seja recente, apontava-se a existência de dispositivos que pudessem ser interpretados como uma autorização genérica para a implementação de um sistema protetivo, a exemplo do art. 74, §2º, da CF/88.


Este artigo considera qualquer cidadão como parte legítima para, “na forma da lei”, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU. A regulamentação se deu pela Lei Orgânica do TCU (8.443/92), ao prever capítulo referente à denúncia dirigida àquela Corte por cidadãos.


Não se tratava, formalmente, contudo, do whistleblowing tal como ele é definido no ordenamento jurídico norte-americano e nos informativos da OCDE, pois não delimita a autoria da denúncia e tampouco prevê medidas de proteção contra retaliação.


Até 2013, destarte, não havia qualquer referência expressa ou implícita à figura do denunciante. No contexto de emergência do escândalo da Lava-Jato, com efeito, foi sancionada a Lei 12846/2013 (Lei Anticorrupção) que inaugurou timidamente a alusão jurídica ao instituto.


Bem timidamente mesmo: o art. 7º, ao tratar da responsabilização administrativa das PJs pelas condutas descritas na lei, previu, no inc. VIII, que poderia ser atenuada a sanção se constatada a existência de mecanismos de integridade e incentivo à denúncia de irregularidades.


Ao tratar do programa de integridade, o Decreto nº 8420/2015, que regulamentou a LAC, elencou a instituição de canais de denúncia, abertos e amplamente divulgados a funcionários, e de mecanismos de proteção aos denunciantes de boa-fé, como parte estruturante do compliance.


De fato, como as denúncias tendem a ser primeiro apresentadas às autoridades hierarquicamente superiores (supervisores), no âmbito interno da organização, é primordial organizar bons e eficientes canais de denúncia associados ao programa de compliance da companhia/órgão.


Previsão semelhante constou da Lei 13.303/2016 (estatuto jurídico das empresas estatais). No art. 9º, III, o canal de denúncias sobre violações ao código de conduta e “mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação” compõem o sistema de integridade da empresa.


Neste interregno, foram concebidos alguns PLs que buscaram regular o whistleblowing. Destaca-se a proposta associada às chamadas “10 medidas contra a corrupção”, propugnadas à época pelo MPF. Trata-se do PL 4.850/16, que pretendeu introduzir a figura do informante confidencial.


O projeto, como se sabe, não logrou sucesso no Parlamento. Q destaque relativo à votação do informante confidencial, contudo, revelou a estigmatização da figura do denunciante, cuja conduta foi designada pelo Dep. Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) de “deduragem remunerada”.


Conforme destacado no fio anterior, embora o tratamento legal do whistleblowing já esteja sedimentado há mais de 100 anos nos EUA, foi incorporado definitivamente no cenário jurídico BR, no campo do controle das infrações penais e administrativas, apenas em 2018, com a Lei 13608.


Não houve, contudo, uma disciplina extensiva do whistleblowing, senão uma menção bastante genérica à necessidade de os entes públicos constituírem programas de recebimento de informações, e com possibilidade de remuneração, que pudessem auxiliar na prevenção de ilícitos.


Assim, firmou-se autorização expressa aos Estados para estabelecerem serviços de recepção de denúncias por telefone, preferencialmente gratuito, sem prejuízo da manutenção também por entidades privadas, sem fins lucrativos, mediante convênio (art. 2º da Lei 13.608/2018).


Não tratou, por exemplo: (a) da garantia de confidencialidade do relato e como assegurá-la; (b) do sistema anti-retaliação e medidas de proteção ao reportante (ex.: inversão do ônus probatório); (c) da implementação de canais internos/externos; entre outros aspectos essenciais.


Finalmente, em 2019, deu-se a aprovação da Lei 13964/19 (Pacote Anticrime), que, ademais de outras modificações legislativas, acrescentou os arts. 4º-A, 4º-B e 4º-C, na Lei 13608/18, em ordem a introduzir de vez a figura do “informante do bem” no cenário jurídico brasileiro.


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