E aí? Vamos falar mais by @inesbarreto

E aí? Vamos falar mais um pouco de feitiçaria no Brasil?

Agora eu fiz um fio sobre as ideias que envolvem as palavras feitiçaria, mandinga, macumba e fetiche, e como todas estão ligadas.

É aqui que nasce a relação de feitiçaria com as religiosidades de matriz africana


Mandinga, feitiço e fetiche
Quando os portugueses chegaram na África, lá pelo século 15 (antes de virem para o Brasil), eles encontraram religiões que não tinham ideia do que eram.

Naquele momento, associaram com a feitiçaria/bruxaria, usando referências da sua própria cultura.


Na cabeça deles, cultuar ídolos e forças da natureza era uma forma de bruxaria. Não ter um deus único, ou ver deuses em pedras, árvores e montanhas era crença de feiticeiros, uma fé errada. Muito diferente do catolicismo.


Os portugueses também usavam mandinga como sinônimo de feitiço.

Os mandinga são um povo africano que praticavam o Islamismo e usavam trechos do Corão em bolsas no pescoço. Os europeus passaram a usá-las chamando de “bolsas de mandinga”. Aos poucos mandinga passou a definir magia


Os europeus protestantes, no séc 17, entenderam a palavra “feitiço” do português como “fetiche” (fetish).

Entenderam que fetiche era o ídolo em si, um falso deus criado para ser adorado por pessoas menos civilizadas. E aí criaram o termo, que foi usado até o séc 20


(Fetiche ainda é usado, vocês vão achar isso na Wikipedia, por exemplo, descrevendo religiões de África. Mas eu acho um conceito preconceituoso e ultrapassado. )


O feitiço no Brasil
Isso tudo veio para o Brasil. Ou os africanos já chegavam aqui cristianizados, ou viram suas religiosidades serem tratadas como feitiço e combatidas.

E isso não foi uma exclusividade de quem cultuava orixás e nkisis, mas os islâmicos também sofreram o mesmo.


Tirar a fé de uma pessoa é uma forma de deixá-la vulnerável. Também é a quebra das comunidades que se forma por meio da religiosidade e dos seus ritos, o que tira a força coletiva.

Assim, as práticas tradicionais deixaram de ser uma religião e se tornaram um feitiço de propósito


Como os ritos coletivos, a oferta de alimentos e, claro, o culto a Exu. Tudo isso foi associado ao feitiço de forma pejorativa.

Exu desde o primeiro momento foi associado ao Diabo católico, já que nada que os europeus tinham nas suas religiões cristãs era parecido com ele.


No Brasil também usamos “macumba” como sinônimo de feitiçaria.

Do idioma quimbundo, significa “reunião de cumbas”, ou seja, de sacerdotes ou sábios. O termo foi usado para falar dos cultos dos povos de origem bantu, mas aos poucos virou sinônimo de cultos negros e de feitiçaria


Por isso, quando a gente fala de perseguição à feitiçaria no Brasil, a gente está falando de perseguição a religiões africanas. Desde sempre os brancos chamaram a religião dos outros de feitiço — ou seja, algo relacionado ao demônio, a coisas ruins, ao que é prejudicial.


Esse é um dos aspectos do racismo religioso do nosso país. E se antes ele foi institucionalizado na lei, hoje ele tem o respaldo de juízes, militares, policiais, e das muitas camadas de poder cristão que ainda perseguem as religiosidades negras e indígenas.


Algumas referências:
Artigo Feitiçaria: Terminologia e Apropriações, da antropóloga Suzana Pepê

https://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/88738


O livro “Sorcery in Black Atlantic”, organizado por Nicolau Parés e Roger Sansi – especialmente o capítulo 1 – “Sorcery and Fetishism in Modern Atlantic” (Feitiçaria e Fetichismo no Atlântico Moderno)


M de Macumba, do @simas_luiz para a @revista_serrote

https://www.revistaserrote.com.br/2020/02/macumba-por-luiz-antonio-simas/


As ilustrações dos negros brasileiros são de Carlos Julião, italiano que esteve no Brasil no séc 18. Do acervo da @FBN

Fotos da Coleção de Religiões Afro-Brasileiras do Museu da República retiradas deste artigo de Yvonne Maggie e Ulisses Rafael

https://journals.openedition.org/vibrant/788?lang=fr


@FBN Esse fio foi a partir de um texto que fiz na newsletter, o caminho que eu achei pra não depender só de algoritmo

Quem quiser, tá aqui:

https://bit.ly/newsvoodabruxa


Sobre Macumba também tem essa colaboração minha com o @PontoIlustrado


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