Quando a minha vó morreu, vária vizinhança me contou que, em crianças, se houve dias em que não ficaram sem comer foi porque a minha avó lhes dispensou um bocado de leite das cabras com café ou pão com azeite ou manteiga. Isto não foi em 1970. Foi em 1970, 71, 72, 73 e em diante.


Que no inverno a minha vó, que todo o dia bebia café, fazia cafeteiras de manhã a contar com os miúdos que vinham de longe, a pé, para a escola, que era lá ao lado. Era o que os aquecia e acalmava as frieiras. E os meus avós não eram ricos. Tinham horta e cabras e uma taberna.


Se não havia fome generalizada em Portugal em 1970 não era por vontade governamental ou pelo crescimento da economia. Era porque as pessoas se cuidavam umas às outras. O que ainda mais me espanta era as mulheres que trabalhavam à jorna, subnutridas e sem leite, com os bebés


num cesto à cabeça, a chorar de fome, que eram pagas em leite pelos donos das herdades. Havia quem fosse pago em vinho ou aguardente.


Suponho que seja o produto de traduzir a História em unidades percentuais e taxas de crescimento. Esquece-se que há pessoas lá dentro.


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