EU FUI NA MICARETA FASCISTA DE 07/09 (fio): Numa das primeiras diárias de um filme novo que estou dirigindo, fui captar imagens na quarta-feira passada em Copacabana com uma pequena equipe de três pessoas. Nenhum de nós estava com camisetas verde-amarelas, eu de preto. (1)


Éramos os únicos sem roupa de festa. Uma multidão compacta e totalmente vestida nas cores da bandeira nos aguardava já na Rua Francisco Sá. Muita gente, muita gente, mesmo, num clima de histeria que parecia carnaval ou copa do mundo. Sem trocar olhares, seguimos. (2)


Meu objetivo era me aproximar ao máximo do carro onde o sujeito iria discursar, já na quadra seguinte, em frente ao Hotel Emiliano. Além da gritaria (das pessoas e peão de boiadeiro que não parava de berrar no microfone), muitos aviões da força aérea surgiam do nada, davam...(3)


...rasantes e faziam acrobacias rente aos prédios e ao próprio carro de som do presidente. Haviam outros carros e também dois guindastes com bandeiras enormes. A cena toda era impressionante e dantesca, inesquecível. Cheguei a ouvir discursos do Cláudio Castro e Braga Neto. (4)


Ao contrário de Bolsonaro, ambos não sabem falar com o mínimo de emissão e carisma. O peão de boiadeiro que era o MC, entre os discursos, chegou a literalmente tocar a boiada, regendo a multidão numa ola. Mas as pessoas estavam ali para ouvir o presidente, claro. (5)


Em certa hora, cansadas de esperar, começaram a cantar "Fala, Bolsonaro!". Uma senhora do meu lado disse: "Se a Globo estiver aqui, vão dizer que é 'Fora, Bolsonaro'...". Comentários do gênero, contra a imprensa, eram ouvidos o tempo inteiro. Algo comum a manifs de esquerda.(6)


Enquanto isso, avançávamos lentamente. Em algum ponto, era impossível se mover no meio da aglomeração. Tampouco era recomendável olhar para os lados ou trocar olhares com qualquer um — estava muito óbvio que nenhum de nós era bolsonarista. (7)


A turba era formada por pessoas de todas as raças, classes sociais, idades, gêneros e orientações sexuais. Talvez um pouco mais branca que a média, mas de qualquer forma, e por motivos óbvios, me impressionou ver tantos senhores negros e tantas mulheres negras por ali. (8)


Quando Bolsonaro surgia nos cantos do trio elétrico, senhorinhas atrás de mim esgoelavam-se gritando "mito!", "olha pra mim, presidente!", "lindo!!" e empunhavam seus celulares. A coisa parecia uma mistura de beatlemania com patriotada e fascismo. (9)


E há de se destacar: aquelas mulheres acham esse sujeito atraente. Ele logo, para alívio de todos que ali estavam há muitas horas, começa seu discurso que deve ter durado uns 12 minutos. Nele, o desfile usual de mentiras, platitudes e fascismo. No bolsoverso tudo é possível. (10)


Antes e depois do discurso, Bolsonaro se postava nas franjas do trio elétrico e ficava calado encarando a multidão, com o queixo erguido como Mussolini naquela foto célebre. E todos respondiam com coros de mito, fotografias, acenos, pulinhos. Mas se há o lado ditador... (11)


..., como em todo líder fascista, há o lado palhaço. Uma cena: o presidente aproxima-se de um jovem que está comandando um canhão de papel picado e insiste para que seja disparado. Quando isso acontece, ele posa para fotos fazendo sinal de arminha e se movendo e rindo como...(12)


...um boneco do posto. É uma mistura de Pedro de Lara com Silvio Santos com Alborghetti com Faustão com Bozo com Hitler com Tenório Cavalcanti com Jesse Valadão. Como dizem hoje em dia, entrega o entretenimento. As pessoas se divertem largado e esse aspecto lúdico da coisa...(13)


... é algo que costuma faltar nas análises do fenômeno. O sujeito é uma novela grotesca e muito divertida que essas pessoas adoram seguir. E amicareta fascista na qual se transformou a comemoração dos 200 anos de independência do Brasil certamente foi, até agora, o ápice dela(14)


Quando a coisa acabou, ainda caminhamos por bons quarteirões ao lado de motos, fantasiados de milicos e malucos em geral (até o apache do capitólio verde-amarelo tinha). O nome mais gritado e presente em adesivos e santinhos era o do delegado Turnowski, preso dias depois. (15)


Quando caminhávamos, ainda em silêncio entre a multidão, rumo ao Galeto Sat's, eu me perguntava: "para onde essa gente toda vai quando perder na urna?" Não podemos nos enganar: isso não morre com uma derrota eleitoral ou mesmo com a derrocada e prisão desse clã de milicianos.(16)


Pois isso é, e será ainda por muito tempo, o Brasil. (17)


PS: Pouquíssimos policiais e nenhuma barreira. Chegamos com uma mochila grande e um tripé a poucos metros do presidente do país sem nenhuma revista ou pergunta. A segurança no Brasil é uma piada.


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